sábado, 13 de junho de 2009

Para Nathália Soares; de Odara Freitas

Quarta, 03 de junho de 2009, 03:34
Estou acordada porque Iraminha tá tossindo muito... dei água, dei chá e agora ela dorme. Eu... talvez não consiga agora. Porque a insônia me acometeu, me pus a perguntar a mim mesma por que me reconheço em ti, se somos, aparentemente, tão diferentes.
Não começarei pelo princípio. Isso não parece com você. No entando és coerente. Espero conseguir ser.
Descobri que, assim como você (você falou!), a busca e a necessidade de ser e sentir-se amada te levam a certas coisas (que a outra Nat até tenta evitar, ás vezes). Eu também sou assim, mas não tinha consciência. A vontade que as pessoas te amem como você é, por descobirem o que tens de mais valioso e especial... Talvez retorne a esse assunto adiante.
Também me pego fazendo coisas para os outros. Na maioria das vezes eu gosto muito, a exceção é quando não sou reconhecida, quando meus esforços não são... vistos, lembrados e "devolvidos".
Mais do que todos, nossa amizade foi construida, porque APRENDI a te aceitar e te amar como és: aberta, VIVA, "dada" e amorosa.
Já te disse que as primeiras vezes que estive na tua presença o sentimento foi de muito estranhamento: quem é esta criatura que fala alto e o que quer? Tão diferente de mim. Calorosa, expansiva, extrovertida, alegre e cheia de vida... No início te aceitei apenas, tentando conviver, tentando encontrar formas de te respeitar. Tô com fome... Tomei nescau...
Agora sei que o que me incomodava em ti é a liberdade do teu espírito, a vivacidade, a altivez e a segurança que eu não tinha.
Hoje, que somos próximas e por isso compreendo-te mais, vejo que teu irreal é mais comum do que imaginas. Todos temos necessidade imensa de sermos e sentir-mo-nos amados. Porém poucos tem a coragem de admitir isso com todas as letras. E coragem é algo que está tatuado em você. Não só por tua "brutalidade" (que também admiro), mas pela força em fazer o que quer e/ou de alguma forma lutar por isso.
Não sei se estou sendo suficientemente clara. É que o sono voltou ja que Iraminha parou de tossir.
Manhã chuvosa, fria, nublada. Muito diferente de ti. Muito igual a mim. Passei a ser assim depois que engravidei (mas isso é outra história; e longa). Antes também era como você (até os 16 anos). Hoje me conheces com alguns momentos legais por causa do Casarão e de vocês.
No princípio de tudo, Nat era só um nome, um fantasma, de quem todos falavam e comentavam mas eu nunca via. O que falavam? Estórias apenas, do que acontecia... Então eras muito irreal, abstrata, porque não te sabia como agora.
Lembro de um dos primeiros encontros: ias apresentar na calourada de Educação Física, no Circo da Cidade. Te vi passar, indo banhar (tinhas acabado de acordar); vi Binho pintar uma camisa (eu acho que é a mesma que tu usas). Aí saiste com aquele macaquinho mínimo, mas muito bonita, como sempre. Demorei uns dias ainda pra saber que aquele "pequeninhinha" era a famosa Nat.
Quando começamos a ensaiar pRE (s)Sente é que comecei realmente a ver que tu existias, pois te via ali quase todos os dias. Passe uns dias muito travada, observando, analisando... Depois que senti segurança me soltei um pouco mais. Daí correu tudos mais naturalmente.
Pensando sobre ti, descobri muito sobre mim. Lembrei do que fui um dia: alegre, disposta, confiante, amada por muitos, ativa... Porém fui impelida a mudar radicalmente. Em plena adolescência passei a ser mulher e algumas coisas ficaram incompletas... Hoje em dia, depois de cinco anos, consigo administrar melhor esses meus dois lados.
Tua permissão em aproximar-me de ti me ajudou a resgatar coisas boas perdidas em algum lugar de mim. Te agradeço por isso.
Confesso que o estranhemento incial tinha um pouco de inveja, mas a transformei em algo produtivo: esforço para absorver de ti o que me fazia te invejar. Ainda hoje (admiro e não mais invejo); tento me espelhar em tua força e coragem, "brutalidade", amabilidade, alegria e esperança.
Hoje conto muito contigo como digo que podes contar comigo para o que necessitares. Desejo-te a felicidade que quiseres pra ti, sempre e no que eu puder ajudar...
*Na carta tem o poema AMAR de Carlos Drummond de Andrade e logo após...

Espectra
O amor que exala de ti
Não é so esse que Drummond canta
Vai bem além do que qualquer um pode ver.
Porque és como a aurora para os que na noite vivem
Enquanto és também a própria noite se preciso.
Em qualquer algum lugar
Sempre és toda a presença
Da vida que vale a pena ser vivida
Ainda que não compreendida sejas.
O sol que trazes contigo é capaz de
Mais que qualquer força
Trincar as mais sombrias moradas
Como fora a minha, e que
Também por tua companhia
Se desfez.
Posso afirmar que não há o que abale teu calor.
Tampouco o que ofusque teu explendor.
Porque enquanto tu, tu mesma fores
Haverão dias a raiar ao teu redor.
Odara Freitas
*Essa carta feita de Odara Freitas para Nathália Soares faz parte da pesquisa do espetáculo "Corpos de Tinta".

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