sexta-feira, 12 de junho de 2009

O corpo na dança contemporânea

Para se entender o que pode representar o corpo na dança contemporânea e como este pode de algum modo se tornar irreal (seguindo uma visão surrealista) é necessário que sejam estabelecidos alguns conceitos.
O corpo é a dimensão fundamental do homem, uma vez que ele prova sua existência no mundo. Na cultura ocidental o corpo foi visto durante muito tempo com uma dupla formação: o corpo e a alma, matéria e espírito, cultura e natureza. Historicamente, esta visão dualista deu ao corpo a condição de mero instrumento em relação a uma instância superior e mais valorizada: a mente, alma ou espírito. Porém, este pensamento tem mudado bastante e hoje, pelo menos em parte, o corpo é visto como a unidade na diversidade, que relaciona o mundo biológico e o mundo cultural rompendo com o dualismo entre os níveis psíquico e físico.
Na dança, ainda pode perceber-se “resquícios” deste pensamento dualista, principalmente em apresentações de ballet clássico. A maioria dos bailarinos que iniciam seus aprendizados na dança, como o ballet, e posteriormente mudam para outros ritmos, geralmente são os que mais percebem esta dualidade. Realidade esta que fica bem explicitada na música de Chico Buarque : “A bailarina” (não tem verruga, calcinha velha, namorado, coceira, unha encardida... não tem nada que todo ser humano vivente neste mundo teria - não tem corpo vivido).
Neste caso, o corpo é visto apenas como um instrumento de produção artística e não como uma representação do real, do cotidiano. Sendo considerado como algo a ser controlado, dominado e aperfeiçoado segundo padrões técnicos que exigem do dançarino uma adaptação e submissão corporal, emocional e mental àquilo que está sendo requerido dele externamente.
Acredito que a dança contemporânea venha justamente quebrar esta regra. Hoje, o corpo é reconhecido como uma entidade socialmente construída, pois nele esta inserida toda uma realidade biológica, política, filosófica, étnica e cultural formada por histórias e práticas ao longo do tempo. Com isso, o corpo passa a ser a expressão da etnia, faixa etária, crença espiritual, classe social, etc..., e é isto que reflete a dança contemporânea.
Esta última caracteriza-se por ser um estilo relativamente jovem e não apresenta-se como uma escola, tais como as danças clássicas, mas sim como um jeito de pensar a dança, não apresentando qualquer padrão de movimentação corporal, que é livre para adequar-se a sua própria intuição, musicalidade e histórias, sendo neste contexto não apenas um instrumento, mas sim uma unidade completa: o instrumento e a emoção, juntos.
Neste contexto de liberdade é então possível deixar transcender no corpo não só o real, mas também o irreal, o fantástico, dando a ele uma nova movimentação, ainda não experimentada, compondo movimentos que não fazem sentido e que não seguem um padrão quando comparados ao cotidiano, mas que carregam uma série de significados, quando vistos como sonhos.
Acredito que então, a dança poderia voltar-se para uma realidade científica do corpo, buscando na neurociência uma forma de transformar o bailarino em um livro de pensamentos escondidos (sonhos), que possam ser absorvidos por aqueles que têm a mente aberta a novas leituras e movimentações.

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