domingo, 31 de maio de 2009

Tornar-me coreógrafo

Assim como o início da Móbile Cia Experimental de Dança deu-se paulatinamente no decorrer da produção de pRE (s)Sente, da mesma forma consolidou-se em mim o ato de criar movimentos. Fruto de uma confiança em um potencial ainda não exposto (que não havia certezas sobre sua existência) fez-se um convite, o qual foi aceito com muito receio e medo. Entretanto, uma angústia saudável, posso dizer heideggeriana, que leva o homem as maiores descobertas e produções de sua vida. Ser tocado pela angústia de reverlar-me através de outros corpos, em uma conflitante confusão de ser eu e não meu outrora coreógrafo.
E foi bom, muito bom.
Gosto de ver-me em outros corpos, pois não sou mais eu. Não domino os mecanismos de execução dos meus vários entes, ou melhor, das minhas várias. Trabalhar somente com o feminino dá-me uma dimensão, digamos, assexuada. Movimento-me como um corpo e transmito-os para corpos, sem gênero, mas é gritante a diferenciação do como mover-se. Negamos nossas distinções sexuais, no entanto, elas moldam o movimento criado. Por isso digo que não sou mais eu. Quem sabe isso mude quando um ente masculino adentrar nosso elenco.
E o ato de criar: sublime. Nunca entendia o funcionamento da mente de um coreógrafo. Sempre imaginei muita confusão, muitas coisas. Mas, no mais, é só dispor-se. Colocar-se à criação, à mercê dela, permite uma invasão sem igual dentro de nós, através de uma escavação desmedida, que ultrapassa nossos podres, renegando-os, a fim do mais puro e belo que pudemos expor. Ao menos em mim sinto desta forma, uma abertura para o novo, uma sede do inédito, queremos destruir tudo, apenas mediante o esquecimento e rejeição do que já está posto. Todavia, é imperceptível, no momento da criação, perceber a influência direta do que existe em nós e o antecede. Somente quando apreciamos nosso trabalho, enxergamos nosso passado escancarado no que era nosso futuro.
E é preciso falar do gozo do que conseguimos construir. Uma sensação de inacreditável, o deslumbramento de estar vendo o que era impossível, a eterna expressão babaca perante o construído. Fomos capazes.
Agora, é onde danço, me faço e me construo. Meu novo lar. Há muito o que passar, e mais ainda a transpassar. Acredito e espero que superemos as turbulências. Conseguiremos isso através de nossa definição: "objetos dependurados que sofrem a ação do vento". Diversas problemáticas nos atingirão, mas não seremos levados pela correnteza aparentemente insolúvel das mesmas, pois temos um forte ponto de apoio: nós mesmos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário